M Ú S I C A
M Ú S I C A
Créditos:
Composição: Cláudio da Silva
Trompete em Dó, Piccolo, Búzio e Fliscorne: Cláudio da Silva
Saxofone, Flauta e Clarinete Baixo: João Capinha
Estúdio: Namouche
Técnico de Captação: Joaquim Monte
Mistura e Masterização: Luís Candeias
ADN é uma peça de 30 segundos, simples e desprovida de adornos, que apresenta o "código genético" do álbum, composto por motivos melódicos e rítmicos que se desenvolvem nas restantes composições. Este código manifesta-se de diferentes formas: por exemplo, o tema termina com três notas que, de forma encriptada, correspondem às letras da palavra CRU. Para além dos motivos musicais, existe também uma simbologia numérica associada aos intérpretes, com os músicos a enunciar números que correspondem, numerologicamente, às suas identidades. O número 7 representa Cláudio da Silva e o número 3, João Capinha, valores que se refletem em diversos momentos do álbum. Um exemplo disso é a duração dos temas, frequentemente de 7 ou 3 minutos, ou até os 30 segundos de ADN. Esta ligação entre música e numerologia acrescenta uma camada adicional de interpretação ao álbum, expandindo a sua leitura para além do plano puramente sonoro.
-Cláudio da Silva
Pólen
A obra Pólen é uma exploração multifacetada da ideia da criação. Pode ser vista como uma referência à fertilidade e à sexualidade, onde a criação de vida se entrelaça com a ideia de algo pulsante e vital. No entanto, também evoca uma sensação de invasão, com o pólen que causa reações nefastas no corpo, e perturba a existência de forma descontrolada. Há ainda uma outra interpretação possivel da obra que remete para uma experiencia alucinogénia, ou uma transformação sensorial que transporta o ouvinte para outra realidade.
A peça divide-se em duas partes distintas: uma primeira parte mais escrita e estruturada, e uma segunda parte mais improvisada e num ritmo mais vigoroso. A transição entre estas secções é marcada por uma improvisação que gera uma paisagem sonora fluida e aberta, e deixa assim espaço para múltiplas interpretações e para que o ouvinte se perca e se reencontre no ambiente sonoro criado.
-Cláudio da Silva
Éden de Lilith
Éden de Lilith é uma obra que evoca a força bruta e primitiva do desejo, as energias profundas da criação e o empoderamento feminino. Todos conhecemos o mito de Adão e Eva, mas há evidências em tradições antigas de que Adão e Lilith foram os primeiros humanos criados. Lilith, contudo, recusou-se a submeter-se a Adão e renunciou ao Paraíso. Este conflito gera uma tensão entre o masculino e o feminino, o humano e o divino, que aqui se apresenta em estado "cru". Lilith simboliza o poder bruto e intransigente, enquanto o Éden — e Adão — representam a tentativa de domar esse poder. A obra reflete a crueza deste conflito não resolvido, dessa força primordial ainda indomada e não refinada.
Musicalmente, a ideia do Éden é expressa através de uma flauta que interpreta a melodia popular francesa Rossignolet du bois, cuja letra remete para um jardim. Esta melodia é desenvolvida e desconstruída ao longo da peça. Existem ainda citações de outros materiais musicais, como o motivo de Lulu, da ópera de Alban Berg, estabelecendo um elo com a ideia de empoderamento feminino. São inúmeras as camadas e ideias musicais que se podem descobrir nesta obra, tornando-a uma reflexão multifacetada sobre poder, liberdade e criação.
-Cláudio da Silva
Quotidiano
Quotidiano é um tema que reflete o fluxo da vida moderna, onde as interações e experiências são vividas de forma ingénua e superficial com a crueza a emergir na ausência de profundidade ou de camadas. Essa monotonia é interrompida por um quase grito que irrompe do silêncio, quebrando o fluxo melódico e introduzindo um momento de intensidade inesperada. Nisto um elemento enrrouquece o saxofone é um coco, um símbolo da tradição hindu associado à pureza e à abundância. Quando colocado na campânula do instrumento, o coco impede que o saxofone se expresse livremente, limitando a sua sonoridade e interferindo na fluidez do som.
Inspirada nos Poemas Quotidianos (1967) do poeta português António Reis, a obra abre com uma improvisação que simboliza um traço de individualidade e liberdade. Contudo, esta abertura conduz inevitavelmente à exposição da melodia do tema apresentada de forma convencional, porém enriquecida por um contraponto com linhas angulares e ritmos complexos, como se a esperança de libertação e a constante inquietação permanecessem presentes. Essa tensão sustenta-se até o final da obra.
-Cláudio da Silva
Paranóia
Paranóia é uma composição que evoca a sensação de paranoia através da sobreposição de múltiplas influências condensadas numa única obra, num curto espaço de tempo. A peça reúne elementos da música contemporânea, do jazz e da música africana e desafia assim as classificações tradicionais. A crueza da obra emerge na forma intensa e visceral como a criatividade se manifesta, ao mesmo tempo rica e difícil de explicar ou enquadrar.
Mais do que uma composição, Paranóia lança um questionamento sobre a constante necessidade de se categorizar o que é arte ou artesanato, popular ou erudito, puro ou impuro, perfeito ou imperfeito. A obra provoca o público a refletir sobre o caos inerente à criação artística e sobre as fronteiras fluidas e arbitrárias que frequentemente delimitam a interpretação do que é considerado arte.
-Cláudio da Silva
Reviʌǝꓤ
Reviʌǝꓤ, título que pode ser lido tanto da esquerda para a direita quanto da direita para a esquerda, já sugere o que esperar: uma constante transformação e reinvenção. A música, que explora esta ideia com diferentes técnicas de composição, entre elas o dodecafonismo, revela que tudo pode ser visto de diferentes ângulos e interpretado de formas inesperadas. O som do búzio, com a sua sonoridade orgânica e ancestral, conecta-nos à natureza e às tradições mais antigas da humanidade. Os silêncios e as respirações que o acompanham criam um espaço para a introspeção e a reflexão. Em contraste, o clarinete baixo, com o seu timbre aveludado e profundo, adiciona uma camada de melancolia e sofisticação à peça. Reviʌǝꓤ é um exercício de desconstrução e renovação, um jogo entre o familiar e o desconhecido, o tradicional e o inovador.
-Cláudio da Silva
Carne mergulha profundamente na fisicalidade do corpo humano. Aqui, "cru" significa o confronto direto com a materialidade da carne, o que está por baixo da pele. O ritmo do coração determina o andamento da primeira parte da obra, revelando o que está além da superfície. A música é extremamente intervalar e expressa a fragilidade do corpo que está por detrás do som dos instrumentos, fazendo uma alusão ao corpo, às mãos e ao tronco que permitem a criação.
Esta peça explora a vulnerabilidade e a força da carne humana. Por um lado, temos a brutalidade, com secções improvisadas que apresentam um ritmo frenético e descontrolado, contrastando com secções escritas e improvisações estruturadas sob uma harmonia racionalmente pré-estipulada. Carne é um contraponto entre o corpo animal e a mente atenta e racional.
-Cláudio da Silva
(...) o nosso inimigo é o corpo. porque o corpo é que nos ataca. estamos finalmente perante o mais terrível dos animais, o nosso próprio bicho, o bicho que somos.
― Valter Hugo Mãe, A máquina de fazer espanhóis. 2010.
Canibal representa o desejo bruto e insaciável, onde o consumo do outro é tanto literal como simbólico. Esta obra reflete a brutalidade e a força primitiva da fome, do desejo incontrolável de possuir e consumir. A peça explora as forças destrutivas do desejo, onde o que é consumido se torna parte do consumidor, criando um ciclo eterno de destruição e criação. Canibal é a personificação da necessidade visceral e da violação dos limites, onde a carnalidade se transforma num ato de sobrevivência e dominação.
A música explora uma tensão constante através da dissonância e repetição, criando a sensação de correr sem nunca sair do mesmo lugar. Existem diversas formas de entender esta peça, cada uma refletindo a complexidade da luta interna entre o impulso primordial e os limites da existência.
-Cláudio da Silva
Transcendente explora a ideia de elevação espiritual de forma crua e despojada e oferece uma reflexão profunda sobre a dualidade entre o mundo terreno e a busca pelo sublime. A obra apresenta um contraste marcante entre elementos que refletem o peso e os contrapontos do humano e secções que evocam ambientes de leveza, elevação e espiritualidade, criando uma tensão constante entre o humano e o divino, o concreto e o etéreo.
Por vezes, surgem alusões a melodias europeias tradicionais, como as Westminster Chimes, entrelaçadas com sons etéreos que evocam uma dimensão mais primordial. Existem ainda sons pouco focados e cheios de ar que remetem para a sonoridade oriental de flautas, como o shakuhachi, flauta tradicional do Japão, associada à meditação e à prática espiritual do zen-budismo. Estes sons ampliam a sensação de introspeção, elevação e reflete a tensão entre a espiritualidade e os desafios da experiência humana.
-Cláudio da Silva
A peça Cru é como uma síntese de todos os significados explorados anteriormente. Cru aqui encapsula a verdade na sua forma mais nua e direta, sem adornos nem refinamento. É a culminação de todas as explorações anteriores, onde a crueza se apresenta como a essência da realidade – brutal, honesta e inescapável.
A música caracteriza-se por uma textura arejada e um ritmo harmónico lento, havendo uma complementaridade entre os dois instrumentos. As melodias dos instrumentos entrelaçam-se num contraponto em Duetto, que soa "Quasi" como um Solo. Esta ideia é explorada ainda mais na secção "Quasi" em uníssono na parte central da obra.
-Cláudio da Silva
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